Você já ouviu os termos “era Meiji”, “Shōwa” ou “Reiwa” e se perguntou o que eles significam de verdade? No Japão, o tempo não é apenas contado — ele é batizado. Cada era tem um nome único, escolhido com extremo cuidado, simbolizando o espírito da época e as aspirações para o futuro. Essa tradição, chamada Gengō (元号), transforma o calendário em uma narrativa cultural.
Neste artigo, vamos caminhar desde a primeira era oficial até a era atual, descobrindo o significado de cada nome, o porquê da escolha e o que ele diz sobre o Japão daquele tempo. Prepare-se, porque esta é uma viagem intensa pela história codificada em dois ideogramas por vez.
Índice de Conteúdo
Período Asuka (538–710)
Taika (大化) – “Grande Reforma”
A primeira era oficial do Japão, iniciada em 645. “Taika” marca o começo da centralização do poder sob o imperador Tenji, com reformas profundas no estilo istrativo, conhecidas como as Reformas Taika. A escolha do nome refletia esse movimento de ruptura e reconstrução. Dai (大) significa “grande”; ka (化) é “transformação”. Um nome que resume perfeitamente a ambição do momento.
Hakuchi (白雉) – “Faisão Branco”
Usada entre 650 e 654, recebeu esse nome após um faisão branco ser oferecido ao imperador, considerado sinal de bom presságio. Haku (白) é “branco”, e chi (雉) é “faisão”. Um exemplo de como fenômenos naturais influenciavam decisões políticas.

Período Nara (710–794)
Durante esse período de capital fixa em Heijō-kyō (atual Nara), o Japão formalizou o uso regular de eras.
Wadō (和銅) – “Cobre Pacífico”
Adotado em 708, com a descoberta de cobre puro no Japão. Wa (和) é um antigo nome do Japão, também traduzido como “harmonia”; dō (銅) significa “cobre”. O nome unia identidade nacional e prosperidade econômica.
Tenpyō (天平) – “Equilíbrio Celestial”
Usada entre 729–749. Ten (天) significa “céu” e pyō (平), “equilíbrio ou paz”. Refletia o ideal budista e o desejo de estabilidade espiritual e social sob o governo do imperador Shōmu.
Tenpyō-kanpō (天平感宝) – “Céu, Paz e Tesouros Sensíveis”
Essa variação durou apenas alguns meses. Mostra como certos nomes eram tentativas de corrigir ou abençoar períodos difíceis, muitas vezes por superstição.

Período Heian (794–1185)
A era do refinamento estético e da cultura da corte.
Kōnin (弘仁) – “Virtude Expandida”
Usada de 810 a 824. Simbolizava o desejo de ampliação da moral e da estabilidade durante o reinado do imperador Saga. O ideograma Kō (弘) significa “expandir”, e nin (仁) é “virtude”, uma qualidade essencial nos valores confucionistas.
Jōgan (貞観) – “Visão Correta”
De 859 a 877. Época de estabilidade, marcada por cultura e budismo. O nome reflete a busca por moralidade e governança justa.

Período Kamakura (1185–1333)
Com o shogunato estabelecido, o imperador ainda nomeava as eras, mas a política era dominada pelos guerreiros.
Bunji (文治) – “Governança pela Cultura”
1190 a 1199. O ideograma Bun (文) é “letra” ou “cultura”, e ji (治), “governar”. Representava uma tentativa de reequilibrar o poder entre armas e conhecimento.
Kenji (建治) – “Estabelecimento da Governança”
Usada de 1275 a 1278. Indica o esforço para restabelecer a autoridade imperial em tempos de tensão com o clã Hōjō.

Período Muromachi (1336–1573)
Ōei (応永) – “Eterna Resposta”
Usada por 35 anos (1394–1428), uma das mais longas. Sinal de estabilidade relativa. Ō (応) é “resposta”, ei (永) é “eternidade”. Era uma expressão de continuidade governamental e estabilidade após anos de guerra.
Bunmei (文明) – “Iluminação Civil”
1469 a 1487. Mesmo em meio às guerras internas, o nome aspirava à elevação cultural. Com bun (文) para cultura e mei (明) para claridade, refletia o desejo de civilidade num tempo instável.
Período Sengoku (1467–1573)
Apesar do caos, os nomes continuaram simbólicos.
Eishō (永正) – “Paz Duradoura”
1504 a 1521. Tentativa clara de trazer esperança em meio à guerra. Um nome quase irônico para uma era de batalhas constantes entre senhores feudais.
Tenbun (天文) – “Fenômeno Celestial”
1532 a 1555. Reflete a ligação do céu com o destino político. Nome com peso astrológico, típico de uma época em que céus e guerras eram inseparáveis.

Período Azuchi-Momoyama (1573–1603)
Tenshō (天正) – “Justiça Celeste”
Foi sob o comando de Oda Nobunaga que o nome Tenshō surgiu, em 1573. Hideyoshi o manteve durante sua consolidação do poder. Os kanji escolhidos dizem tudo: Ten (天) representa o céu ou ordem divina; shō (正) é justiça, correção. Em plena era de conflitos e unificação forçada, o nome agia quase como selo de aprovação dos céus às campanhas militares.
Mais que simbolismo, era propaganda. Cada vitória sobre os rivais podia ser vista como cumprimento de uma justiça celestial. O nome foi escolhido com intenção política, não apenas espiritual.
Período Edo (1603–1868)
Com o shogunato Tokugawa estabelecido, os nomes das eras começaram a refletir estabilidade, rigidez e prosperidade cultural. Mesmo com períodos longos e pacíficos, o nome de cada era carregava um ideal que o governo desejava propagar.
Kan’ei (寛永) – “Eternidade Serena”
Adotado entre 1624 e 1644, o nome simbolizava um governo estável e com autoridade absoluta. Kan (寛) significa “serenidade” ou “tolerância”; ei (永) é eternidade. Um nome escolhido para dar tranquilidade à população e reforçar o domínio Tokugawa como legítimo e permanente.
Foi nessa era que o Japão se fechou ao mundo (sakoku), e a paz interna foi mantida com punho de ferro. O nome da era era um lembrete constante: tudo estava sob controle, e seria assim por muito tempo.
Genroku (元禄) – “Prosperidade Original”
Essa era, de 1688 a 1704, é lembrada como um verdadeiro boom cultural. Kabuki, ukiyo-e, haikai e a vida dos distritos de prazer floresceram. Gen (元) é origem ou fundamento; roku (禄) significa bênção ou riqueza. O nome carregava a ideia de uma era de riqueza nascida da base sólida estabelecida.
Não é coincidência que muitos historiadores e artistas considerem o Genroku o auge cultural da era Edo. A prosperidade não era apenas econômica, mas estética e emocional.
Era Meiji (1868–1912)
Meiji (明治) – “Governo Iluminado”
Este foi o marco do fim do Japão feudal. A Restauração Meiji devolveu o poder ao imperador e transformou o país em tempo recorde. O nome da era — Mei (明), “iluminação”, e ji (治), “governar” — foi escolhido para refletir exatamente isso: um novo tipo de liderança, mais racional, moderna e com um olhar para o futuro.
Tudo mudou: vestimentas, calendários, sistema político, alfabetização. E o nome Meiji funcionou como bandeira de uma revolução que transformou o arquipélago em potência.

Era Taishō (1912–1926)
Taishō (大正) – “Grande Retidão”
Apesar de breve, foi uma era de liberalismo e crescimento urbano. Tai (大) é “grande”; shō (正) é o mesmo “correto” ou “justo” de outras eras. O nome invocava uma liderança moral, talvez mais desejada que real.
Enquanto o imperador Taishō era frágil de saúde, o nome da era servia como âncora ética para os movimentos democráticos e a abertura política. O termo se tornou símbolo da “democracia Taishō” — curta, mas significativa.
Era Shōwa (1926–1989)
Shōwa (昭和) – “Paz Iluminada”
Começou sob tensão e terminou com prosperidade. Shō (昭) é “iluminar”, wa (和) é harmonia, paz. Um nome que dizia muito — ou que desejava muito. No início da era, guerras e autoritarismo marcaram o país. No pós-guerra, veio o “milagre econômico” e a ascensão da cultura japonesa moderna.
Interessante observar como um nome pode significar uma coisa e vivenciar o oposto, só para depois finalmente se alinhar com seu propósito. Shōwa é dualidade em forma de era.
Era Heisei (1989–2019)
Heisei (平成) – “Paz Concretizada”
Hei (平) é “paz”, sei (成) é “alcançar”, “realizar”. O nome foi escolhido para representar o desejo de continuidade pacífica após um século conturbado. A intenção era ótima — mas Heisei ficou marcada por uma economia estagnada, desastres naturais e mudanças sociais aceleradas.
Ainda assim, muitos japoneses veem Heisei como uma era de transição emocional: da ambição pós-guerra para a aceitação de uma nova realidade. Menos crescimento, mais introspecção.
Era Reiwa (2019–presente)
Reiwa (令和) – “Bela Harmonia”
O primeiro nome retirado de um texto japonês, o Manyōshū. Uma ruptura simbólica. Rei (令), nesse contexto, representa “excelência” ou “boa ordem”; wa (和) segue como “harmonia”. O objetivo é guiar o país para uma coexistência bonita entre tradição e futuro.
A escolha foi ousada. Em vez de recorrer à China, o Japão voltou-se para sua própria literatura clássica. É uma era de afirmação identitária, mesmo em meio à crise sanitária e ao avanço da IA. O nome continua como lembrete de que equilíbrio e estética ainda importam.